NINGUÉM INSISTE TANTO EM MIM...


... Quanto a Soninha. Conheci Soninha no meu antigo trabalho. Ela era zeladora do prédio e deveria ter uns 20 anos de carteira assinada neste emprego. De jeito e origem simples, Soninha como aprendi a chamá-la, deve entre entre 50 e 60 anos, cabelos pretos curtos, altura mediana, olhos grandes e assunto para três gerações. Acho que muita gente vai lembrar dela.

Soninha foi uma agradável companhia durante os 10 anos que trabalhei no escritório que ficava neste prédio em questão. Ela cuidava da limpeza, recebia encomendas, entregava aos destinatários, dava recados e tinha capacidade de noticiar sobre qualquer fato ocorrido naquele lugar. Mas além das 'fofocas' dos vizinhos de sala, a vida dela proporcionava um entretenimento interessante.

Lembro quando Soninha foi assaltada - e reagiu, chegou toda machucada e contou detalhadamente e incansavelmente, por dias, sobre o ocorrido; quando se separou do namorado que morava junto e teve que começar a vida do zero. Sofreu, por vezes chorou, quando falava do ex, mas contava feliz sobre os passos e das conquistas dos móveis adquiridos para mobiliar o pequeno apartamento de 35 metros quadrados, mas que representava a liberdade que ela nunca teve. Era bonito ver o quanto a vida ganhou sentido quando ela descobriu que dava conta sozinha. Dizia, inclusive que não queria mais namorar e que a vida de solteira era boa demais. 

Soninha ouviu muito as minhas lamúrias e me deu conselhos baseados na sua vivência nada fácil de uma mulher que acordava às 4h da manhã todos os dias para ir a pé ao trabalho, em uma caminhada de 1h30 como forma de economizar o dinheiro do transporte para as contas do final do mês. Poucas vezes eu vi Soninha chegar, mas ela me viu todos os dias, e foram poucas as vezes que não destinei ali uns 15 minutos do meu tempo antes de entrar para o turno de serviço. Eu contava, ela contava. Às vezes nem tinha novidades, em outras, os 15 minutos não eram suficiente. Quando não dava tempo de finalizar, ela sempre dava um jeito de ir até a sala que eu trabalhava para contar o desfecho. 

Soninha era um pouco inimiga da tecnologia. Naquela época os celulares já nos permitia o acesso às redes sociais, mas ela vivia dizendo que não dava conta, que era informação demais. Inúmeras vezes bateu na porta da sala pedindo ajuda para que chamássemos o Uber para levá-la embora - principalmente quando recebia a cesta básica ofertada pela empresa que administrava o prédio. Ela sempre dizia “Não dou conta de mexer nessas coisas”. Para ter ideia, Soninha usava um daqueles aparelhos celulares que a única distração que tinha era o jogo da cobrinha. Cumpria as funções básicas de ligar e enviar SMS. E quer saber, eu acho que ela que era feliz sem tanta distração virtual.

Acontece que Soninha é daquelas peças raras que a gente encontra por aí, que mesmo com as dificuldades, sempre tinha uma palavra positiva sobre a vida. Não pensava duas vezes em emprestar para qualquer pessoa do prédio, a Marmiquente - uma espécie de vasilha plástica conectada ao fio elétrico que fazia a indução e deixava o almoço quentinho.  O 'acessório' ficou marcado. Ficava feliz demais quando a gente lembrava dela nas lembrancinhas de final de ano. E como esquecer?

Soninha foi uma companhia muito agradável enquanto estive ali. Quando saí, perdi o contato. Em um dia aleatório no horário de almoço, fui até o centro da cidade e enquanto esperava o Uber para voltar às funções, esbarrei com ela. Soninha não me reconheceu e aquilo foi como um tiro no meu coração. Um ano depois e Soninha já tinha me esquecido. E nossa amizade? Voltei reflexiva.

Passou mais uns seis meses e acabei encontrando-a na mesma situação, no centro da cidade na hora do almoço. Dessa vez, resolvi chamá-la e vi que ela me olhou e não reconheceu. Eu estava passando pelo processo de emagrecimento e de fato estava um pouco diferente. Eu fiquei olhando, ela ficou olhando e quando me reconheceu, num prazo de 15 segundos, abriu um sorrisão e veio em minha direção. Isso deve ter uns 4 anos ou mais. Brevemente nos atualizamos sobre a vida uma da outra e trocamos WhatsApp. Sim, Soninha já havia se adequando às modernidades e portava um celular com tela enorme e brilhante, e, claro um WhatsApp. 

Desde então não vi mais Soninha, não conversamos mais, mesmo com a tecnologia como elo de ligação. Eu faço meia culpa, por mais que ela esteja ali, eu sempre penso em chamá-la, mas deixo pra depois. Não sei se casou, se continua no mesmo local de trabalho, se aprendeu a chamar o Uber, mas desde então, todos os dias, sem falhar um, faça chuva ou faça sol, chega uma mensagem da Soninha com uma imagem de bom dia, boa tarde, boa noite ou felicitando as datas comemorativas. 

Acho que ninguém nunca insistiu tanto num contato sem retorno quanto ela. Não vou mentir, tem dias que eu nem abro. Não é desfeita, é a correria do dia-a-dia, o esgotamento, a preguiça de ter que continuar o papo virtual. Eu deixo pra depois, pra já já, pra daqui a pouco e quando vou ver, já estou com 12 mensagens brilhante, com flores, ursos, sol, lua, e etc, e eu fico sem graça de responder. Mas eu gosto de saber que mesmo não respondendo, Soninha não desiste de mim e me mantém viva na sua lista de transmissão. Igual ela se mantém aqui, em boas memórias e em um espaço especial do meu coração.

Ps.: Enquanto eu escrevia esse texto, chegou uma mensagem de Sônia! Talvez eu responda. 

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